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Coluna da Isabel Reis: por quem os carros aceleram?

2 Minutos de leitura

  • Publicado: 17/04/2020
  • Atualizado: 17/04/2020 às 13:35
  • Por: Isabel Reis

Estou aqui isolado, dentro de quatro paredes, no escuro. Sei que existe vida lá fora porque, dia ou outro, aparece alguém para varrer o chão e tirar o pó. Para depois encerrar a porta e eu ficar no escuro, novamente.

Isabel Reis
Arte: Thomas Bento

A maior alegria, nestes dias de confinamento, é quando restabelecem a minha energia vital. Respiro fundo e solto todos os meus roncos acumulados. Recebo uns afagos, checam o meu estado como um todo, para depois eu voltar ao silêncio e à solidão.

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Dizem que a humanidade ficará melhor, quando tudo passar. Que o planeta agradecerá pelos gases do escape não emitidos, pelos pneus gastos não despejados na natureza, pelo som mudo de milhões de motores sem funcionamento. Mas, confesso, sinto falta do ser humano. Lido com um tipo muito especial, que não tem medo, que se arrisca, que acelera, um apaixonado pela adrenalina!

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Lembro dos dias de glória! Nem faz tanto tempo assim! Semanas atrás eu estava lá, sob o sol, sentindo o vento empurrando o meu corpo para baixo. Acelerando, freando bruscamente para entrar nas curvas, disputando posições, empurrando o companheiro ao lado para fora da pista. O cheiro de combustível me dá ganas de vencer!

No final daquela reta há uma bandeira quadriculada, pronta para tremular, assim que eu cruzar a linha de chegada. Um momento único e precioso! É para isso que eu existo. Para a vitória, para brilhar, para dar emoção, para alegrar o público das arquibancadas.

Quando chego no boxe, são só agrados. Estou exaurido, mas feliz. Momento do meu banho de beleza. Com delicadeza, todos os meus desgastes vão sendo eliminados. Vou voltando a ficar novo em folha, cheiroso, hidratado, com a energia circulando plenamente.

Estranhos esses seres humanos dos circuitos de corrida. Nas pistas, são uns demônios. Querem vencer a qualquer custo, dão totó, tentam ultrapassar sem dó nem piedade. Depois, fora das pistas, dão boas risadas, como ótimos amigos que costumam ser.

Se é para ir pra cima, eu vou com tudo! Bem, nem sempre dá certo! Quantas vezes acabei virado, com os pneus para o ar, ou acertando em cheio um guard rail? Ossos do ofício! Qual a finalidade da minha vida se não for para aproveitar plenamente cada segundo? Porque, na minha profissão, os milésimos de segundo fazem toda a diferença. Durante essa minúscula fração de tempo, não temos passado, nem futuro. Só existe o presente, na sua mais profunda e precisa existência.

Aqui no escuro, longe dos dias ensolarados e acelerados, o que não falta é tempo para pensar. Paciência! Uma hora este maldito portão do boxe vai abrir, para que troquem a minha bateria, substituam os meus pneus, regulem o meu motor e lubrifiquem todas as minhas juntas! Aí, vou roncar forte e acelerar até encontrar aquela bandeira quadriculada tremulando, lá no final.

Isabel Reis publica sua coluna em RACING às sextas-feiras, e mantém uma coluna na Revista Motociclismo

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